PRIAPISMO

O priapismo é uma ereção persistente e dolorosa do pênis. Existem quatro padrões clínicos:

  1. Ereção aguda- reversível, com edema, geralmente de início menor que três horas. Esse padrão não está associado com impotência, já que o episódio desaparece. Os episódios repetitivos são muito comuns, ocorrendo em mais de 40% dos pacientes. Os episódios de curta duração podem não ser dolorosos. Em alguns pacientes o problema é transitório enquanto em outros pode levar à impotência.
  2. Ereção aguda, dolorosa e prolongada que dura mais que três horas. Caracterizada por intensa dor na região peniana que pode vir acompanhada de disúria (9) ou intenso edema na região peniana. Pode perdurar por vários dias a semanas, podendo evoluir para impotência parcial ou completa de duração variável.
  3. Aumento crônico do tamanho do pênis, geralmente indolor que pode persistir por meses ou anos. Este padrão geralmente se desenvolve após um episódio prolongado e freqüentemente está associado com impotência parcial ou completa.
  4. Priapismo crônico agudizado- algumas vezes após alguns anos os pacientes com edema crônico persistente podem apresentar recidiva do priapismo doloroso agudo.

Fisiopatologia: Os mecanismos específicos que podem precipitar os episódios de priapismo agudo geralmente se iniciam durante o sono e algumas vezes após atividade sexual, porém freqüentemente não se consegue detectar nenhum agente precipitante. O episódio noturno muitas vezes está correlacionado com uma bexiga volumosa. Alguns casos podem ser precipitados ou exacerbados por desidratação.

A fisiopatologia do priapismo ainda não está bem esclarecida. O fluxo venoso do corpo cavernoso nem sempre está totalmente ocluído como antes havia sido postulado. Em alguns episódios o pO2 do corpo cavernoso está reduzido, não chegando a zero. Estes fatos estabelecem o uso racional de transfusão de hemácias normais, já que estas células vão até a área de pouca circulação. Presume-se que o fluxo lento, viscoso, desoxigenado que ocorre localmente leve a uma oclusão do fluxo. Segue- se a isso, edema e inflamação. A retirada desse material pode retardar a lesão irreversível do corpo cavernoso. A eletroforese de hemoglobina do sangue do pênis em pacientes transfundidos por vezes mostra que a hemoglobina A entra no corpo cavernoso. Estas observações estabelecem o uso racional da aspiração e irrigação e estabelecimento de um shunt temporário do corpo esponjoso. Em alguns casos o fluxo arterial e o sangüíneo total estão aumentados e não existem evidências de obstrução. O pO2 do pênis, nestes casos, está normal. Se a obstrução local aparece como causa improvável para o episódio de priapismo, discute- se a mediação ou influência do sistema nervoso central no processo de ereção.

O corpo cavernoso do pênis é um reservatório de sangue especializado, caracterizado pela passagem lenta do sangue em um local que funciona como uma rede de septos. Esta circulação pode ficar com estase local com isso ocorrendo o afoiçamento e obstrução da drenagem venosa. Essa obstrução que ocorre na AF leva a um edema intersticial e com o tempo, fibrose da trabécula (35).

O priapismo prolongado constitui uma urgência urológica necessitando de intervenção imediata para evitar lesão peniana isquêmica e permanente.

Foram feitos dois estudos em 1994 em pacientes brasileiros com AF, no Estado do Rio de Janeiro (Gallo da Rocha, trabalho em publicação):1) estudo retrospectivo em pacientes matriculados no Instituto de Hematologia, de 1960 a 1994, com diagnóstico de AF, num total de 278 pacientes. Nesse estudo foram feitos: estudo percentual dos pacientes com priapismo; observação do número de pacientes que evoluíram para impotência coeundi; dos pacientes que se submeteram à cirurgia; da idade e da eletroforese de hemoglobina e dos dados clínicos.

2) Questionamento de 73 pacientes do sexo masculino quanto ao tipo de priapismo apresentado, o horário, fator desencadeante e evolução clínica

No estudo em que questionamos os pacientes a causa mais freqüente de priapismo foi a espontânea, de madrugada. Somente um paciente relatou o episódio pós coito (4%), menor que na estatística da Jamaica de 16%, porém a maioria dos episódios naqueles pacientes ocorreu espontaneamente (70).

Emond (68) descreveu que o nível mais baixo de hemoglobina fetal e mais alto de contagem de plaquetas são fatores de risco para priapismo em pacientes com AF. Nossos pacientes com AF e priapismo apresentaram HbF média de 3,28% e a média da contagem de plaquetas foi de 370 772/mm3. Comparando com a população geral de pacientes com AF que apresenta a hemoglobina fetal média de 7,4% e a contagem de plaquetas de 359 000/mm3, podemos concluir com Emond com relação à HbF, mas não com relação à contagem de plaquetas. Também não houve diferença estatisticamente significativa quanto ao nível de hemoglobina e hematócrito (média da hemoglobina e do hematócrito na população geral de pacientes com AF: (7,4 g/dl e 22,3%)

A idade de início dos episódios do priapismo de cerca de metade dos pacientes foi antes dos 10 anos. Esse parâmetro é muito variável de estudo para estudo. Winter descreveu início do priapismo em pacientes com idade inferior a 18 anos (69). Souza et al (73) descreveram início do priapismo com idade inferior a 12 anos em 56% dos pacientes. Portanto não há divergência significativa quanto a idade de início dos sintomas do nosso grupo em relação aos descritos na literatura.

A prevalência dos episódios do priapismo no estudo retrospectivo foi de 7,5% e no questionamento foi de 34%.

Nos dados da Literatura Médica a prevalência tem sido descritas entre 2% e 6% (66), a dos brasileiros de 7,5%, portanto foi discretamente superior à média já relatada.

Quanto ao questionamento , a freqüência de ocorrência do priapismo foi de 34%. Os trabalhos internacionais referem que em estudos questionamento a prevalência para entre 38 e 425 (70). A diferença parece ser devida a que os episódios menores noturnos não são relatados nas consultas, o paciente fazendo menção dos mesmo somente quando inquirido.

A maioria dos pacientes apresentou episódios menores e nos recidivantes tivemos uma experiência com o inibidor da enzima conversora da angiotensina (fosinopril), uma vez que esse medicamento estava sendo utilizado para crises álgicas de repetição (28) e três pacientes relataram melhora dos episódios de priapismo enquanto um paciente de 35 anos não sentiu nenhum alívio (observações não publicadas). Apesar do pequeno número de pacientes que fizeram uso do medicamento o mais provável é que sua ação não ocorreu em pacientes mais velhos (os outros tinham 9, 11 e 22 anos de idade), devido a circulação peniana apresentar mais alterações no processo de priapismo crônico com fibrose local, impedindo a ação do medicamento. Por outro lado o desaparecimento do priapismo em crianças de 9 e 11 anos nos faz supor que a hipótese acima descrita seja a mais provável. Seria necessário um estudo duplo cego em diferentes faixas etárias para se comprovar a eficácia do inibidor da EACA em pacientes mais jovens com priapismo.

Tratamento: Os objetivos do tratamento são:

O exame inicial deve incluir a massagem prostática que algumas vezes induz à detumescência . É importante coleta do líquido prostático para exame bacteriológico. A febre e a leucocitose podem estar presentes na ausência de infecção.

Priapismo Agudo Reversível: Os pacientes geralmente tratam- se em casa. O esvaziamento da bexiga, banhos quentes e exercícios são as técnicas recomendadas. O paciente deve ser encorajado a esvaziar a bexiga freqüentemente, assim que o processo se inicie, assim como aumentar a ingesta hídrica. Se o processo não se resolver em três horas, o paciente deve procurar o hematologista.

Priapismo Prolongado Agudo: Etiologias possíveis : infecção (principalmente na próstata), traumatismo recente, excesso de álcool, uso de maconha e atividade sexual.

O tratamento é direcionado para hidratação parenteral vigorosa, narcóticos e, caso necessário, inserção de um cateter de Foley para promover o esvaziamento da bexiga. Deve-se manter o nível de hemoglobina S menor ou igual a 30% e o hematócrito abaixo de 35%. Isto se obtém com a eritracitaferese. Os pacientes que respondem à terapia transfusional começam a apresentar detumescência dentro de um a dois dias, embora a regressão completa possa levar semanas ou meses. Os conceitos no tratamento cirúrgico do priapismo severo na doença falciforme estão sendo substituídos por procedimentos mais simples com intervenção clínica mais precoce. As opiniões ainda não são uniformes porém os estudos recentes sugerem que se a detumescência ainda não se iniciou dentro de 24 horas após a terapêutica transfusional, uma resposta importante a este tratamento não será atingida. Neste caso proceder-se-á a uma aspiração peniana. Se não houver resolução, o procedimento de Winter ou modificado é o recomendado, sob anestesia local em adultos e geral em crianças. Consiste em um tipo de shunt no corpo esponjoso e é realizado inserindo- se uma agulha ou scalp na glande em um dos corpos cavernosos com aspiração do sangue viscoso. Após isto mantém- se uma pequena comunicação após a retirada do scalp e o fechamento da pele, de tal forma que permita uma drenagem contínua do sangue do corpo cavernoso do pênis à circulação sistêmica. Uma compressão intermitente é então aplicada com esfigmomanômetro para impedir refluxo. Este shunt geralmente fecha- se espontaneamente após um período de semanas, podendo ser também fechado cirurgicamente, caso necessário. A função erétil subsequente costuma ser normal. Se após vários dias o paciente ainda continuar com priapismo o procedimento deve ser repetido ou ser feito um grande shunt do corpo esponjoso lateralmente na base do pênis, sob anestesia geral. O shunt com safena não é mais recomendado.

Sem intervenções, o priapismo severo provavelmente leva à perda parcial ou completa da função erétil em tono de 80% dos casos. Em melhores circunstâncias, as transfusões e cirurgia diminuem esta incidência em 25- 50% dos casos, se bem realizada.

Priapismo Crônico e Impotência:

O priapismo desse tipo representa um problema difícil. Embora o paciente não apresente dor a função erétil geralmente está ausente. A resolução da impotência com a implantação de prótese tem sido feita, porém a experiência com pacientes com Anemia Falciforme ainda está muito limitada para ser recomendada. As próteses infláveis não parecem resolver e as prótese fixas podem apresentar complicações, embora alguns pacientes obtenham bons resultados. Outros pacientes, no entanto, se ajustam à função sexual alterada, uma vez que a ejaculação, o orgasmo e a fertilidade permanecem intactos.

Prevenção: Até o momento não há programa estabelecido de terapêutica preventiva de recidivas de priapismo. Não se pode prever se ocorrerá priapismo prolongado e impotência subsequente. Há maior probabilidade que as crises de priapismo que perduram por mais de três horas estão associada à priapismos prolongados e possível impotência. Os pacientes com crises repetidas devem ser orientados para não permanecerem com a bexiga distendida, aumentarem a ingesta hídrica e diminuírem a atividade sexual. Deve-se investigar e tratar se presentes infecções do trato urinário baixo e próstata.

Priapismo Adulto e Pediátrico:

O índice de ereção para se determinar se há indicação cirúrgica é a resposta clínica do paciente dentro de 24 horas após o início da hidratação e analgesia. A circuncisão deve ser considerada nos períodos neonatais já que um prepúcio exercendo compressão mecânica pode complicar a evolução dos pacientes com priapismo.