ÚLCERAS DE PERNA NA ANEMIA FALCIFORME

A primeira descrição de úlceras de perna em pacientes com Doença Falciforme foi em 1940 por Cummer e LaRocco (16).

A úlcera de perna é comum em pacientes com DF . As causas mais comuns são traumáticas e pode assim permanecer por muitos anos abrindo e fechando ou mesmo ficando aberta sem fechar.

Dois trabalhos foram feitos (Gallo da Rocha,em publicação), : 1) estudo percentual dos pacientes com úlceras de perna; médias de : hemoglobina, de contagem de plaquetas, do Volume Globular Médio, do hematócrito e da HbF e comparação dos dados obtidos com a população geral de DF. Foram coligidos os dados de cultura de úlceras de perna e dos agentes microbiológicos mais comumente envolvidos.

2) pesquisa clínica- questionamento de 62 pacientes sobre a evolução clínica das mesmas e causa do aparecimento das úlceras.

A prevalência das úlceras de perna entre os pacientes com DF foi de 19,5% e nos pacientes com AF foi de 21,4%. Na Jamaica a prevalência é maior, afetando 75% dos pacientes com AF (70) Num trabalho anterior também feito no Rio de Janeiro a prevalência de úlceras de perna foi de 34/98 (35%) (26).

No questionamento feito aos pacientes encontramos que em 90% dos casos o traumatismo local foi o fator desencadeante para o aparecimento de úlceras de perna. Em alguns casos (4%) o relato foi de prurido local e outros de picada de insetos (6%).

A idade de início das úlceras variou entre 10 e 30 anos, com uma média de idade de 19,5 anos. Esses dados são semelhantes aos da literatura (16).

Uma explicação para que não haja úlceras de perna antes da idade de 10 anos é pela maior irrigação sangüínea antes dessa idade.

98% dos casos de úlcera ocorreram em pacientes com AF, semelhante aos dados de Wolfot e Krizek (41), em que as úlceras de perna ocorreram em 75% nos pacientes com SS, sendo mais rara nos outros genótipos.

Os trabalhos da literatura apresentam diferenças de comportamento com relação a localização geográfica. Os pacientes afro- descendentes parecem apresentar mais úlceras no Caribe do que no Oeste da África, Estados Unidos ou Europa (70).

As condições de higiene sempre são citadas como fator inicial e complicador das úlceras de perna do que nas mulheres. No nosso estudo a relação de 1,3 sexo masculino : 1 sexo feminino, diferindo do Cooperative Study dos Estados Unidos, mas concordante com os dados da Jamaica (70) e entre os nigerianos (1).

Os outros genótipos tem menor freqüência de úlceras de perna : dos pacientes com S Beta Talassemia, 1/6 apresentam úlceras de perna (16%); Serjeant encontrou 9/40 (23%) (70). Os pacientes com Hemoglobinopatia SC não apresentaram úlceras de perna: 0/17, em concordância com os trabalhos de Smith e Conley (74) e Ballas (6).

A queda da hemoglobina é um fator de risco para o desenvolvimento de úlceras de perna. Desse modo, os pacientes SS sem úlcera de perna tem o nível de hemoglobina maior do que aqueles com úlcera (70). No nosso estudo essa diferença não foi estatisticamente significativa.

paciente apresentava úlcera no dorso do pé.

Dados Laboratoriais

População geral AF

População c/úlcera

Valor de p

Contagem de plaquetas

359 000/mm3

391 000/mm3

NS

Nível médio de hemoglobina

7,4g/dl

7,3g/dl

NS

Volume Globular Médio

87,3 u3

92,12 u3

NS

Hemoglobina Fetal

4,8%

5,5%

NS

 

As úlceras de perna tiveram sua localização preferencial acima do maléolo tibial interno e externo; um dos casos apresentava a úlcera em volta de toda a perna como se fosse a parte de cima de uma meia e outro paciente apresentava úlcera no dorso do pé.

As complicações locais são: fibrose subcutânea impedindo o retorno venoso e a drenagem linfática. Isso ocorre em praticamente todos os pacientes com úlcera crônica, com reação fibrótica intensa em volta da úlcera muitas vezes com edema discreto do pé. Foi notado também durante o questionamento que alguns pacientes adotavam a posição antálgica (pé eqüino) passando a deambular com a borda externa do pé e com o tempo o pé adquiriam aquela posição não mais voltando ao normal. Também notamos durante as entrevistas que os pacientes com pé valgo tinham maior propensão a apresentar úlceras de perna.

A cura da úlcera da perna é muito demorada, levando meses ou anos. É comum a recidiva variando de 25 a 52% (70).

No estudo por questionamento notamos que a prevalência das úlceras em pacientes com AF aumentou. Dos 67 pacientes questionados 30 (44%) já haviam apresentado úlceras de perna e foi anotado no estudo mesmo aqueles pacientes que já tinham cicatrizado suas úlceras. Portanto a incidência pelo questionamento dos pacientes é maior 30/67 (44%). Também nesse estudo houve maior incidência de úlceras em homens: 17 sexo masculino e 13 feminino, com a relação de 1,3:1.

A prevenção do trauma é importante. O tratamento deve ser iniciado prontamente, assim que o paciente começa a apresentar ainda uma pequena lesão. Nesse estádio a úlcera ainda não infectou nem houve formação de fibrose e o uso tópico de anti inflamatórios naqueles pacientes que não tenham alergia resulta em resposta rápida com cicatrização da úlcera. Se essas providências não forem tomadas de imediato a úlcera cronifica e reação fibrótica diminui o aporte circulatório local levando a um ciclo vicioso: não cicatriza porque tem fibrose e tem fibrose porque não cicatriza.

O uso de antibióticos sistêmicos, a partir das culturas de úlcera não oferecem melhoras clinicamente importante a não ser que haja celulite. Essa evolução foi também notada por Mac Farlane (45). Observamos que o uso de sulfato de zinco, na dose de 200 mg três vezes ao dia, ajuda na cicatrização. Serjeant em 1970, já havia descrito sobre a associação do sulfato de zinco com a cura das úlceras (72). A ação desse medicamento é progressiva, não trazendo resultados imediatos.

O uso de L Carnitina é um cofator para a oxidação dos ácidos graxos dentro das mitocôndrias, aumentando a energia disponível para os tecidos e corrigindo a hipóxia tissular. Os níveis baixos de L Carnitina foram observados em pacientes com vasculopatias. Com o emprego da droga, notou-se um aumento de cicatrização das úlceras em 79% dos pacientes com vasculopatias. (36). Um trabalho envolvendo 15 pacientes com úlcera de perna e AF em que foi empregado a L Carnitina via oral durante três meses não resultou em aceleração do processo de cicatrização (71).

O uso de enxertos de pele de nada resolveram nos pacientes com ulceras crônicas de perna . Acompanhamos cerca de 15 pacientes com úlcera crônica em que foi feita enxertia de pele e em nenhum caso houve resposta satisfatória. O enxerto "não pega" devido a deficiência de aporte circulatório. Há um trabalho que descreve melhoras porém recidiva em 80- 97% dos casos em dois anos (72).

A associação de proteinúria com úlcera de perna (70) levou a hipótese de que o streptococcus beta hemolítico ganharia acesso de entrada por esse local causando glomerulonefrite aguda.. Na nossa casuística somente um paciente apresentou proteinúria e essa associação deveu-se ao acaso, já que não ocorreu nenhum outra associação de proteinúria com úlcera de perna e nem a evolução para a glomerulonefrite difusa aguda. Nessa pesquisa clínica que fizemos, concluímos que: