CARTILHA DE ANEMIA FALCIFORME

 

A doença falciforme é uma das doenças hereditárias mais comuns no Brasil.  Ela afeta principalmente a população negra. Aproximadamente 1 criança afro-brasileira em cada 37 400 crianças nascem com a doença falciforme. Cerca de 1 em cada 8 afro-brasileiros tem o que é chamado de traço falcêmico.

O portador do traço falcêmico (ou da anemia falciforme) não é considerado doente, mas pode passar para os filhos que vier a ter.

Caixa de texto:   SS

Se ambos os pais são portadores do traço falcêmico, cada um possui um traço da anemia falciforme. O exame de sangue normal (hemograma) não mostra se uma pessoa tem ou não o traço da anemia falciforme. Se duas pessoas com este traço casam, eles podem vir a ter um filho ou filha com anemia falciforme. O traço da Anemia Falciforme é representado pela letra A e S (AS) e a pessoas que tem a anemia falciforme, SS.

                     Pai                  Mãe


                         Filho/ou filha

A criança herda dois gens do traço da doença, um do pai e um da mãe.

Assim cada bebe tem 1 em 4 chances de ter dois gens normais, 2 em 4 chances de ter um gem normal e um com o traço falcêmico e 1 em 4 chances de herdar dois gens SS.

Quando um bebe herda dois gens SS, nasce com a  anemia falciforme.

Essas chances  são as mesmas para cada novo bebe e nada tem a ver com o fato de que outro bebe da família tenha ou não herdado o gem SS .

A doença falciforme afeta o sangue. O sangue é bombeado do coração para todas as partes do corpo por tubos ocos chamados vasos sangüíneos.

O sangue é uma mistura de vários tipos diferentes de células suspensas na parte líquida do sangue que é chamada de  plasma.


Algumas células são necessárias para a luta contra infecções como os glóbulos brancos e outras são necessárias para a  parar sangramentos, chamadas plaquetas. Entretanto a  maior parte das células do sangue são hemácias, também chamadas de glóbulos vermelhos.

 

 Elas fazem um trabalho muito importante de levar o oxigênio para todas as partes do corpo e trazer de volta o gás carbônico (o ar que a pessoa põe para fora quando respira.

Normalmente as hemácias tem a forma de um disco bicôncavo. Essas células são muito flexíveis e passam facilmente por pequenos vasos sangüíneos. Isto é importante porque as hemácias viajam partindo de grandes vasos para pequenos vasos entregando o oxigênio para todos os órgãos do corpo.

Desta forma elas são feitas para  entregar o oxigênio que a pessoa inspira  para os vasos menores  e  para as áreas mais remotas do corpo.

Se as hemácias  não fossem flexíveis elas não seriam capazes de se apertarem para passar nesses vasos de pequeno calibre e bloqueariam a passagem do sangue para certas partes do corpo. Dentro de cada hemácia existem milhões de moléculas de hemoglobina  que são pequenas esferas que dão a cor vermelha ao sangue. A hemoglobina é uma proteína que fica dentro da hemácia. Como todas as proteínas, as cadeias de hemoglobina são feitas de longas redes de aminoácidos.

Na Anemia Falciforme houve uma troca de aminoácido por um processo que se chama mutação.

O organismo humano faz mutações (mudanças ou desvios da normalidade) sempre que tenta resolver um problema, como no caso do traço da anemia falciforme. Outras vezes não é para resolver problemas.

No caso do traço da anemia falciforme o aminoácido ácido glutâmico é substituído por outro aminoácido chamado valina. Esta substituição de aminoácidos é que causa o fenômeno de afoiçamento.

Ela ocorreu porque as pessoas que tem o traço da anemia falciforme conseguem sobreviver mais do que as pessoas que não tem este traço em lugares onde a malária é endêmica, como na África.

 

A hemoglobina normal, chamada de hemoglobina A é sempre feita de  duas cadeias alfa globínicas e duas cadeias beta globínicas. A hemácia normal contém cerca de 95% de hemoglobina A. A hemoglobina, como toda proteína contém uma fileira de aminoácidos.

 

Na Anemia Falciforme as hemácias  contém uma hemoglobina que é um pouco diferente da hemoglobina normal.

Nas hemácias dos pacientes com Anemia Falciforme 90% das hemoglobinas são hemoglobinas S.

 

Quando as moléculas da hemoglobina S deixam os pulmões carreando o oxigênio . Quando o oxigênio é largado por essas hemácias com hemoglobina S, elas tomam a forma de uma foice.

 

Quando a hemácia retorna ao pulmão na próxima respiração e recebe novamente o oxigênio, ela volta a ficar redonda, e quando larga o oxigênio e pega o gás carbônico de novo, ela fica novamente em forma de foice. Após a hemácia do paciente com anemia falciforme fazer várias viagens, ela fica na forma de foice e não consegue ficar redonda mais. hemácias afoiçadas são endurecidas e  se quebram facilmente. Elas vivem metade do tempo que uma hemácia normal vive.

Sua forma de foice dificulta a passagem pelos vasos e elas deixam o sangue mais viscoso e fecham a passagem do sangue, causando pequenos infartos ou mortes de tecido. Por causa disso, muitas pessoas que tem a anemia falciforme sentem dores nos ossos e nas juntas, na barriga e nas costas. Sentem também cansaço devido a anemia. 

 

A dor pode ser tão intensa que leva o paciente a ficar internado.

Figura  Retirada da Rev New Eng J Med


As causas que levam as hemácias a se afoiçarem mais são: infecção, febre, exposição a temperaturas muito baixas ou muitos altas no ambiente e desidratação. Evitando-se sempre que possível estas situações a pessoa com doença falciforme pode reduzir o risco de afoiçamento de hemácias.

Quando indicado pelo médico, toma-se penicilinas para evitar-se infecções a elas sensíveis.

 

Existem outras maneiras que ajudam a prevenir e tratar o afoiçamento e a dor, isto é, bebendo muito líquido e tomando acetaminofen logo que inicie a dor.

Sempre que uma pessoa com anemia falciforme apresentar algum problema, ela deve procurar auxílio médico, de preferência hematologista, de imediato.

 

O paciente apresenta dor, anemia e icterícia, isto é o branco do olho fica amarelo e fica pálido da anemia. A cor amarela nos olhos é porque suas hemácias são destruídas antes do tempo de uma hemácia normal.

 

As pessoas com o “Traço” da doença, geralmente não tem sintomas, porém após um esforço exagerado como treinamento físico ou subida a lugares muito altos, podem também apresentar as crises de dor. Além disso essas pessoas casando – se entre si tem 25% de chance de ter um filho com anemia falciforme.

 

 A organização Mundial de Saúde estima que anualmente nascem no Brasil em torno de 2 500 crianças com Anemia Falciforme. Num estudo em que se analisou 101.000 brasileiros de 65 cidades independente da raça, encontrou-se 2,1% de Traço de Anemia Falciforme.

 

Oito porcento (8%) da população descendente de raça negra no Município do Rio de Janeiro são portadores do “Traço” da anemia falciforme. A pessoa que tem o traço pode doar sangue pois ela não tem anemia. Seu sangue não poderá ser transfundido em um paciente que tenha anemia falciforme.

O diagnóstico é feito através de testes hematológicos como o teste de afoiçamento(ou o teste da mancha, feito aqui no banco de sangue) e estudo da hemoglobina .

A orientação dos portadores do “Traço” é muito importante, pois a anemia falciforme é uma das anemias hereditárias mais comuns no Brasil.

 

A medida que a população toma consciência da gravidade da anemia falciforme, mais ela deverá buscar um diagnóstico ainda na fase de criança pequena (depois dos 4 ou 6 meses de idade). O teste do pezinho em recém nascidos é muito importante para se fazer o diagnóstico precoce. Toda pessoa que nasce no Estado do Rio de Janeiro, pode pedir o resultado do teste do pezinho, pois esse é obrigatório e foi assinado como lei.O teste de afoiçamento também indica a possibilidade de ter o traço ou a anemia falciforme e é um teste muito barato. Toda pessoa  deveria fazer esse teste, principalmente as afro – descendentes.

 

Se o teste de afoiçamento der positivo, vá a um médico para que ele peça  um outro exame de sangue chamado eletroforese de hemoglobina.

 

Quase todas as vezes que o tempo esfria, chove ou se a pessoa com anemia falciforme começa a ficar com febre por infecção, pode acontecer duas coisas:

 

A: Se for criança com Anemia Falciforme ela fica com os dedos da mão ou do pé inchados, os olhos ficam mais amarelos ( icterícia ) e o baço aumenta de tamanho.

B: Se for um adulto com  Anemia Falciforme, as hemácias vão tomar a forma de foice e nos locais em que as hemácias “encalharem” obstruindo o fluxo de sangue, a pessoa irá sentir dores.

Se a crise de dores não for muito forte e se não houver aumento do amarelo nos olhos e nem a urina estiver com cor de coca – cola, é só tomar um analgésico (acetaminofem) e ingerir muito líquido ( 3 litros por dia ).

Se piorar ou apresentar febre deverá buscar auxílio médico.

As complicações mais freqüentes em pacientes com Anemia Falciforme além dessas descritas acima são:

Toda criança com anemia falciforme deve ser vacinada logo no início da vida contra:

1-   Hemophilus influenzae

2-   Pneumococos

3-   Hepatite B

 

Além das outras vacinas que todas as crianças recebem.

Se teve uma vez pneumonia além das vacinas acima descritas a criança com Anemia Falciforme receberá continuamente penicilina para diminuir a possibilidade de outras pneumonias.

ADULTOS

Os adultos (também as crianças) tem anemia constantemente mas só devem receber transfusão de sangue  se houver uma piora da anemia.

Também os adultos devem receber vacinas para pneumococos e hepatite B, se não recebeu quando criança.

 

OUTRAS COMPLICAÇÕES :

Cálculo na vesícula biliar: Na população de Anemia Falciforme do Rio de Janeiro 58% apresentou cálculos na vesícula e 36% ocorreu entre 8 e 18 anos. Os pacientes só devem ser operados se  sentirem dores no lado direito, logo abaixo das costelas após comerem comidas gordurosas, leite, chocolate, ovos, doce ou café.

As pessoas sem sintomas não necessitam  fazer a operação.

 

Úlceras de perna: 22% das pessoas com Anemia Falciforme tem úlceras na parte inferior da perna, geralmente do lado interno, mas pode também ser do lado externo.

 

Priapismo : O pênis fica ereto geralmente de madrugado devido à obstrução da circulação local em 22,3% dos pacientes com Anemia Falciforme no Rio de Janeiro. A pessoa acorda com muita dor ou incômodo no pênis, que poderá até ficar inchado em 7,4 % dos pacientes .

Deve – se tomar bastante líquido e anti- inflamatório também, prescrito pelo médico. Se não houver regressão procurar um serviço de emergência que tenha um hematologista.

Acidente Vascular Cerebral – quando um vaso é obstruído no cérebro, ocorre uma interrupção do aporte de sangue para o local com conseqüente morte do tecido (necrose). Essa é a causa do Acidente Vascular na Anemia Falciforme. Ela ocorreu em 9% dos pacientes com Anemia Falciforme do Estado do Rio de Janeiro e a maioria dos pacientes  tinha menos de 15 anos de idade.

 

OUTRAS ORIENTAÇÕES IMPORTANTES:

 

A alimentação deve ser rica em saladas cruas, doces e proteína ( um bife por dia). Deve – se beber bastante líquido (3 litros por dia).

Deve-se evitar ficar muito tempo na praia.

Entrar no mar depois de muito aquecido pode levar à crise de dor porque a água do mar aqui no Rio de Janeiro é muito fria.

Quando o tempo esfriar, manter – se agasalhado .

Deve – se ir ao dentista (em crianças fazer fluoretização nos dentes) pelo menos uma vez por ano. Lembrar que as balas (doces) aumentam a possibilidade de cáries.

A mulher deve ir ao ginecologista de seis em seis meses e se quiser evitar filhos talvez o melhor método anticoncepcional seja o uso de “camisinhas ” (de mulher ou de homem), porque o anticoncepcional pode levar a um aumento de tromboses ( obstrução dos vasos) e o DIU (dispositivo intra uterino) pode levar a infecções, porque sempre há uma maior possibilidade de infecções em pessoas com Anemia Falciforme.

 

As pessoas com o “Traço” da Anemia Falciforme devem ser acompanhadas pelo menos uma vez por ano se estiverem assintomáticas. Aqueles que forem fazer exercício físico violento, pular de para- quedas, voarem de asa delta, voarem de ultra leve ou forem para lugares muito elevados como por exemplo a cidade do México, podem apresentar crises como se tivessem anemia falciforme.