Deficiência de Fator VIII/AIDS- Associado à Linfoma Linfoblástico T- a propósito de um caso.

 

Vera Lucia de Araujo Viana *

Sandra Chalhub **

Maria Tereza M. Paula ***

Heloisa Helena Arantes Gallo ****

UNITERMOS:coagulopatia;linfoma não Hodgkin,AIDS

 

·       Médica do Serviço de Hematologia do IEHE

** Médica Hematologista de Bom Jesus de Itabapoana

*** Chefe da Seção de Clínica do Serviço de Hematologia do IEHE

**** Chefe do Serviço de Hematologia do IEHE

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

O Linfoma maligno é uma complicação comum nos pacientes com Sindrome de Imunodeficiencia Adquirida(AIDS)(7).Geralmente o linfoma é do tipo não-Hodgkin,de grau intermediário ou alto grau de malignidade(3).A intensa imunodeficiência leva o linfoma a uma tendência rápida à infiltração generalizada e sobrevida curta.

Relatamos o caso de um paciente com deficiência de Fator VIII com AIDS que desenvolveu um linfoma de alto grau de malignidade com evolução rápida e resposta inusitada ao tratamento quimioterápico.

RELATO DO CASO

Paciente encaminhado do interior do Estado do Rio de Janeiro para investigação e tratamento.Foi internado em 28.02.96: masculino,branco,19 anos de idade,com deficiência de Fator VIII que  soube ter sorologia HIV positiva há 12 meses e sorologias para hepatite B e C positivas.O exame físico mostrava paciente emagrecido,com 29.02.96,mostrou: glicose- 63 mg%,uréia- 86 mcg%,creatinina-1,8 mg% , ALT-67 U K, AST-23 U K, proteinas totais- 6,2 g/dl,albumina-3,4g/dl,globulinas- 2,8g/dl, rel A/G 1.18,bilirrubinas totais-0,4 mg/dl, sódio-137 mg%,  potássio-4,0 mg% ,cloro-103 mg%,  LDH-253 U/ml.A sorologia HTLV I feita na mesma data foi negativa.CD4- 57 células/mm3; CD8-277 células/mm3; relação CD4/CD8- 0,20.

abdomen distendido e hepatomegalia maciça,palpando-se nódulos na superfície hepática; macicez móvel de decúbito (ascite).Trouxe  tomografia computadorizada (TC) que mostrava fígado heterogeneo,aumentado de volume, com várias áreas hipodensas de tamanhos variados e contornos irregulares,com captação anelar de meio de contraste. Notava-se áreas de coleção líquida no hipocondrio direito e espessamento irregular da parede abdominal na altura do mesohipogástrio.A vesícula biliar não foi vizualizada.O baço estava normal assim como o pâncreas;rins com volumes e topografias normais,eliminando simultaneamente o meio de contraste. As adrenais estavam normais.O aspecto tomográfico final foi sugestivo de abcesso e hematomas hepáticos.O exame ultrassonográfico do abdomen, realizado em 05.03.96,mostrou fígado aumentado de volume difusamente, com contôrnos lobulados, ecotextura heterogênea e múltiplos nódulos hipoecóicos(sólidos), o maior tendo 8,5 cm de diametro em lobo direito.Ausencia de dilatação de vias biliares intra ou extrahepáticas.Presença de ascite.Bexiga não visualizada.

O hemograma de 29.02.96 mostrou leucometria de 3.400/mm3 ,Volume Globular de 26% e Contagem de Plaquetas de 251.000/mm3. A bioquimica do sangue,realizada em

Recebeu concentrado liofilizado de F VIII de alta pureza a partir de 28.02.96, devido à suspeita tomográfica de  hematomas hepáticos.

O paciente evoluiu na enfermaria com agravamento acentuado do quadro clínico, no período de 07.03.96 a 28.03.96, com caquexia ,desorientação,candidíase oral,sudorese,náuseas,vomitos,taquicardia, taquipnéia ,dispnéia de decúbito,abolição do murmúrio vesicular no terço inferior de ambos os hemitóraces, aumento do volume ascítico e das massa tumorais hepáticas.Alimentava-se sòmente por sonda naso gástrica.

Repetiu-se  a T.C. abdominal em 28.03.96 que além do aumento da hepatomegalia, nódulos hepáticos e da ascite,notou-se desta vez esplenomegalia.Havia derrame pleural bilateral.

A intensa desorientação que o paciente apresentava sem sinais de localização motivou um estudo tomográfico do crânio que  mostrou imagem hipodensa na região frontal esquerda,levando à retração da cisterna silviana e corno frontal do ventrículo ipsilateral.O aspecto sugeriu resolução de alteração vascular ou contusão.O restante do exame não mostrou alterações.

Foi realizada paracentese abdominal com saída de líquido ascítico- retirado  220 ml de líquido xantocrômico com 132 leucócitos/mm3, 184 hemácias/mm3(10% crenadas) e presença de 87% de células blásticas.

O estudo citológico do  líquido  ascítico mostrou células linfoides grandes com citoplasma basofílico e projeções citoplasmáticas.Os núcleos  apresentavam cromatina grosseira e nucléolos grandes com vacúolos citoplasmáticos. Havia intenso polimorfismo com células em trevo.O estudo citoquímico  revelou negatividade ao PAS e ao NSB e positividade focal à Fosfatase Ácida em 30% das células.A impressão diagnóstica final foi de linfoma linfoblástico T.

A biópsia de medula óssea não revelou infiltração linfomatosa,assim como o estudo do líquor.Este último  mostrou reatividade ao HIV.

O paciente encontrava-se em péssimo estado geral,terminal. Foi feita quimioterapia com ciclofosfamida-250 mg/dia e dexametasona 6 mg/dia intravenosas durante 7 dias e  vincristine 1 mg no primeiro dia.Durante todo o período manteve-se a associação de AZT e DDI.Após o primeiro dia pós quimioterapia começou a apresentar melhoras.Foi retirada a sonda nasogástrica e iniciou alimentação espontanea. Houve diminuição progressiva da ascite, hepatomegalia, nódulos hepáticos e da esplenomegalia.Concomitantemente, involução da taquipnéia e do derrame pleural.O paciente começou a sentar-se e ,com uma semana, já deambulava normalmente na enfermaria, com ganho de peso.

Recebeu alta assintomático em 09.04.96 para continuar tratamento ambulatorial com quimioterapia CHOP de 4/4 semanas.

 

DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

·       linfoma ocorre em todos os grupos de risco e faixas etárias de pacientes soropositivos para HIV.A prevalência de linfoma não Hodgkin em pacientes com AIDS parece que está aumentando e esta talvez venha a ser uma das mais importantes causas de morte neste grupo de pacientes (2,4,6,7).Clìnicamente, o linfoma não Hodkin no paciente sorològicamente positivo para HIV é caracterizado por sua apresentação de alto grau de malignidade,origem B,acometimento extranodal extenso e mau prognóstico (3).O tratamento que se emprega é agressivo.A hiperativação do linfócito B, que ocorre neste grupo de pacientes,atualmente é uma hipótese para o entendimento da alta frequencia deste tipo de neoplasia (7).O linfoma T ocorre mais raramente que o B em pacientes com sorologia positiva para HIV havendo uma maior tendência à infiltração da pele,o que  não aconteceu no caso acima descrito (1).

Na revisão bibliográfica não encontramos diferença  de apresentação de linfoma nos pacientes com deficiência de Fator VIII com HIV.(5)

O caso relatado apresentou uma resposta rápida e eficaz com a quimioterapia não agressiva, empregada em linfomas de baixo grau de malignidade (COP) o que é  inusitado,já que nestes pacientes há uma tendencia à pouca resposta à quimioterapia e progressão rápida da doença.

Não encontramos explicação para tal resposta terapêutica.

 

 

RESUMO

O linfoma maligno que ocorre como complicação em pacientes soropositivos para HIV geralmente é do tipo não Hodgkin, de alto grau de malignidade, frequentemente com acometimento extranodal e com pouco ou nenhuma resposta à quimioterapia.

Os autores relatam uma caso de paciente com deficiência de Fator VIII com AIDS com linfoma não Hodkin linfoblástico, com acometimento hepático acentuado.Obteve rápida resposta a poliquimioterapia com ciclofosfamida,vincristine e dexametasona,ao contrário do que se espera neste tipo de  pacientes.

 

SUMMARY

The malignant lymphoma that develops in patients with HIV infection conveys a poor outcome  with  high grade  extranodal non-Hodkin’s lymphoma and poor response to therapy.

The authors report a case of a patient with Factor VIII  deficiency infected with HIV infections that developed  a non Hodkin’s lymphoblastic lymphoma with extensive extranodal envolvement and a life-threatening presentation.It was decided  to treat him with a non aggressive treatment and  he had a complete response within a few days.

 

 

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

 

1.   Abrams K,Le Boit P,Kerchman R,Hendier B,Heon V,Berger T.: T cell and B cell HIV associated cutaneos lymphomas (abstract).Int.Conf.AIDS 1993:9:450.

 

2- Broder S.: Factors in the development of Aids related lymphomas.Leukemia 1992;6(Suppl3):6S-9S.

3.   Gaidano G,Dalla-Favera R.: Biologic aspects of human immunodeficiency virus-related lymphoma.Curr Opin Oncol 1992;4:900-906.

4.   Levine AM.: AIDS-related malignancies: the emerging epidemic.J.Natl Cancer Inst 1993;85;1382-1397.

5.   Levine AM.:Acquired immunodeficiency syndrome-related lymphoma.Blood 80:8-12,1992.

6.   Obrams GI,Grufferman S.: Epidemiology of HIV associated non-Hodgkin lymphoma.Cancer Surv 1991; 10:91-102.

7.   Wang CY,Snow JL,Su WPD.: Lymphoma associated with human immunodeficiency  virus infection.Mayo Clin Proc 1995;70:665-672.