Diagnóstico Diferencial
das principais causas de sangramento em uma unidade de emergência - visão
clínica e laboratorial.
Heloisa
Helena A Gallo da Rocha
Médica
Hematologista, do Serviço de Hemoterapia do Hospital dos Servidores do Estado
do Rio de Janeiro.
Introdução:
O
diagnóstico diferencial dos casos de hemorragia é um dos pontos
importantes que se depara um médico
dentro de uma unidade de emergência.
O
objetivo desse trabalho é apresentar as
patologias que mais comumente cursam com sangramento, seu diagnóstico clínico e
laboratorial.
1- Púrpura Trombocitopenica Imunológica
(PTI):
É
uma doença autoimune caracterizada pelo aparecimento de um anticorpo da classe IgG na membrana
plaquetária. O sistema retículo endotelial do baço passa a não reconhecer as
plaquetas como próprias e as seqüestram. Ocorre em todas as idades e
principalmente na infância, fase em que pode ser secundária a uma infecção
viral ou vacina. Em cerca de 50% dos casos(na infância) a etiologia é
desconhecida e ocorre remissão espontânea. Na fase adulta, a doença ocorre mais em mulheres e geralmente está associada a uma doença autoimune ,
principalmente o Lupus Eritematoso. Pode também ocorrer após o uso de
medicamentos ou após uma virose,
inclusive a síndrome de imunodeficiência adquirida(AIDS).Sua progressão para a
cronicidade é mais comum na idade adulta do que na infância.
O
quadro clínico de um paciente com
uma PTI idiopática geralmente está afebril, com história de
epistaxe, gengivorragia ou menometrorragia, petéquias e equimoses generalizadas, sem
visceromegalias.
O
estudo laboratorial mostrará trombocitopenia, geralmente em torno de 10
000/mm3. Algumas vezes notar- se -á anemia secundária à hemorragia. Os testes
para anticorpos plaquetários não são úteis pois sua especificidade e
sensibilidade não permitem estabelecer
um “padrão - ouro” diagnóstico e seu valor preditivo é desconhecido.
O
estudo da Medula Óssea nos mostrará uma hipercelularidade às custas do Setor
Megacariocítico.
Diagnóstico
Diferencial:
A
trombocitopenia pode ser causada por uma função anormal da Medula Óssea ou por
destruição periférica das plaquetas.
As
causas de trombocitopenia são:
· Alterações da Medula Óssea: Anemia aplástica, leucemias agudas e crônicas, linfomas com invasão da Medula Óssea, mieloma múltiplo, síndromes mielodisplásicas, anemia megaloblástica, alcoolismo crônico, infiltração tumoral da Medula Óssea, doença de Gaucher.
· Alterações não medulares:
Trombocitopenias hereditárias, doenças autoimunes, trombocitopenia gestacional,
pós transfusional, secundária a drogas, hiperesplenismo, coagulação
intravascular disseminada, púrpura trombocitopenica trombótica, síndrome
hemolítico - urêmica, sepse, hemangioma,
AIDS.
2- Púrpura Trombocitopênica Trombótica:
É
uma doença mais rara caracterizada por cinco sinais e sintomas: anemia
hemolítica microangiopática, trombocitopenia, sinais neurológicos, febre e
alterações renais.
A
causa é desconhecida. Uma causa possível relatada na literatura médica é o
aumento de agregação plaquetária causada pela liberação de componentes
plasmáticos secundária à lesão endotelial difusa. Como exemplo cita - se que a
toxina Shiga da E. coli hemorrágica é tóxica diretamente às células endoteliais
renais. Os grandes multímeros do Fator von Willebrand, normalmente presente nas
células endoteliais tem sido implicados na gênese da indução da agregação
plaquetária secundária à lesão endotelial. Essa hipótese tem levado ao uso de
plasma pobre em Fator VIII ou plasma pobre em crioprecipitado nesses pacientes,
para evitar a transfusão do Fator von Willebrand (FvW).
Em
alguns casos de PTT a etiologia imune é evidente como por exemplo na formação
de anticorpos secundários à quinino que reagem com as plaquetas, neutrófilos e
células endoteliais. O amplo espectro da reação desse anticorpo pode ser
responsável pelo início dessa doença sistêmica grave.
Os
pacientes comparecem ao setor de emergência devido à anemia, sangramentos ou
alterações neurológicas. Essas últimas caracteristicamente tem sinais de
exacerbação e de acalmia em minutos. Os sintomas neurológicos podem ser de
cefaléia, confusão, afasia e alterações da consciência da letargia ao coma.
Ao
exame clínico observa-se palidez cutâneo - mucosa, equimoses e petéquias,
icterícia e sinais de disfunção neurológica.
O
estudo laboratorial mostrará aumento expressivo na contagem de reticulócitos e
o estudo do sangue periférico pode mostrar a presença de eritroblastos. Ainda
nesse estudo observa - se o quadro periférico microangiopático com hemácias
fragmentadas (esquizócitos e hemácias em capacetes). A trombocitopenia está
presente e pode ser intensa. A leucometria pode estar aumentada com desvio para
a esquerda. A hemólise pode ser demonstrada pelo aumento nos níveis de
bilirrubina indireta, aumento da contagem de reticulócitos e diminuição da
haptoglobina. Algumas vezes há hemoglobinúria. O LDH costuma estar
acentuadamente elevado e o teste de Coombs negativo.
Os
testes de coagulação ( tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial e
fibrinogênio) geralmente estão normais. Os produtos de degradação do
fibrinogênio ( teste do D Dímero) estão aumentados. A insuficiência renal pode
estar presente alterando a bioquímica do sangue.
O
diagnóstico diferencial é com a coagulação intravascular disseminada ou outras
condições que levam a anemia hemolítica microangiopática ( síndrome hemolítico
- urêmica, hemólise valvar, adenocarcinoma metastático, hipertensão maligna e
vasculites).
O
exame histopatológico do ânus e da gengiva mostra substância hialina nos
capilares e nas pequenas artérias.
Com
o advento da plasmaférese a evolução clínica mudou de 85 % de mortalidade para
85% de possibilidade de cura ou reversão do quadro, dependendo da etiologia.
3- Doença de von Willebrand:
É
a mais comum das doenças hereditárias que levam a alterações da hemostasia. É
transmitida por gem autossômico dominante de penetrância variável. Constitui -
se em um grupo de doenças caracterizadas por um Fator von Willebrand (FvW)
defeituoso ou deficiente. O FvW é uma proteína que media a adesividade
plaquetária e que carreia e estabiliza o Fator VIII. As plaquetas se aderem ao
subendotélio via FvW, que é ligado a um receptor plaquetário específico
composta da glicoproteina Ib. As plaquetas se agregam via fibrinogênio, que se
liga a um receptor diferente nas plaquetas chamado glicoproteina IIb e IIIa. A
agregação plaquetária está normal na Doença de von Willebrand a não ser com o
agonista Ristocetina.
A
Doença de von Willebrand é uma doença primariamente da função plaquetária porém
pela sua relação de estabilização do Fator VIII pode apresentar manifestações
clínicas semelhantes à hemofilia.
A
prevalência do tipo mais comum de Doença de von Willebrand (tipo 1) é de
aproximadamente 1: 10 000 pessoas. Caracteriza - se por sangramento de mucosa(
epistaxe, equimoses, hematomas e sangramentos após feridas, extração dentária
ou menometrorragia).
Os
níveis do FvW variam com stress e devem ser avaliados mais de uma vez em épocas
do ano distintas.
Os
testes screening para a Doença de von Willebrand são: PTTA, agregação plaquetária
pela Ristocetina e a dosagem do Fator von Willebrand.
4- Hemofilia A :
É
uma doença hereditária em que o sangramento é devido a deficiência do Fator
VIII da coagulação. Ocorre em 10 a 20 casos para 100 000 nascimentos.
Embora
seja herdada como uma doença ligada ao cromossoma X, cerca de 20% dos casos não
tem história familiar. Uma explicação para isso é que o gem do Fator VIII é
grande e parece sofrer mutações freqüentes. A anormalidade mais comum na
hemofilia A grave é uma grande inversão do gem do fator VIII. Isso pode ser um
fator predisponente para a formação de um inibidor já que a estrutura terciária
do Fator VIII anormal é muito diferente daquela que é normalmente transfundida.
O
quadro clínico de suspeição da hemofilia é de um menino com história de
sangramento excessivo após traumatismos ou hemorragia espontânea em
articulações e músculos (hemartroses e hematomas musculares).
A
gravidade das manifestações clínicas
correlaciona - se com o nível do Fator: grave= < 1% de Fator; moderada= 1-4%
do Fator e leve= > 5% de Fator. Esses últimos tem um risco menor de
hemorragia espontânea mas sangram em excesso após traumatismo ou cirurgia.
O
estudo laboratorial mostra prolongamento do PTTA com tempo de protrombina
normal. O PTTA é normalizado com a adição de plasma controle a não ser que o
paciente tenha desenvolvido anticorpo anti Fator VIII. O nível do Fator VIII
está reduzido enquanto o FvW está normal e a agregação plaquetária também está
normal.
5- Hemofilia B:
Apresenta
a mesma clínica da Hemofilia A, porém é mais rara e o fator deficiente é o
Fator IX.
6- Coagulação Intravascular Disseminada:
A
coagulação intravascular disseminada (CID) ocorre por alterações na coagulação
normal e é caracterizada por excesso de produção de trombina com ativação secundária
do sistema fibrinolítico. A excessiva geração de trombina e de plasmina leva a
consumo de fatores de coagulação e proteólise de glicoproteínas da membrana
plaquetária. A CID é ocasionada por doenças que levam a liberação de fator
tissular. A sepse gram negativa com lesões endoteliais mediadas por endotoxinas
é ilustrativa desse processo e é a causa mais comum de CID. Outras fontes de
fator tissular são: lesão do tecido cerebral; células leucêmicas
promielocíticas, mielomonocíticas e monocíticas e substâncias tissulares
placentárias que podem ser liberadas para a circulação. As proteases liberadas
da cisteína e proteases liberadas de adenocarcinomas produtores de mucina ou
venenos de cobras podem ativar diretamente os Fatores de coagulação e induzir a
CID. As reações hemolíticas transfusionais agudas acarretam indiretamente a CID
pela formação de complexos imunes que ativam o complemento, ou diretamente
pelos efeitos tóxicos das membranas eritrocíticas lesadas. Ambos processos
resultam em lesões endoteliais.
As
manifestações clínicas e laboratoriais da CID são o reflexo dos efeitos da
excessiva trombina e plasmina. Tipicamente os pacientes com CID sangram de
locais de venopunção e podem apresentar tromboses espontâneas. O estudo do D
Dímero (produtos de degradação do fibrinogênio) vai mostrar - se aumentado. O
nível do fibrinogênio também está baixo pelo consumo, assim como o Fator V e
Fator VIII. As proteínas C, S e Antitrombina III também podem estar consumidas.
O FvW também é degradado junto com o Fator VIII.
Em
resumo o diagnóstico laboratorial é baseado na demonstração do consumo do
fibrinogênio e das plaquetas combinado ao aumento da atividade fibrinolítica (D
Dímero). O INR geralmente está prolongado na CID, refletindo consumo dos
fatores de coagulação, enquanto o PTTA é variável dependente do nível
plasmático do Fator VIII. O tempo de Trombina esta prolongado pela
hipofibrinogenemia. A lise do coágulo de euglobulina está aumentada . O estudo
do sangue periférico mostrará aumento de esquizócitos pela fragmentação das
hemácias nos vasos sangüíneos.
Essas são as principais
causas de consultas hematológicas devido a hemorragia em uma unidade de
emergência.
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